Críticas
Este conto foi escrito em conjunto com Diogo Stone; Os acontecimentos presentes são de horas antes do episódio A tutora e a irmã, da campanha Maldição de Strahd na Twitch do QueersnDragons.
Dormir em segurança na mata era esquisito. Os acontecimentos da última noite — a torre do mago e os lobisomens — , não deixaram o meio-orc ter um sono tranquilo. Apesar do domo mágico de Vanya deixá-los seguros contra inimigos, as paredes eram intangíveis para elus. Ukkor era habituado a dormir sentado, com as costas escoradas em qualquer coisa. Isso não ajudou a ter uma boa noite.
A manhã começava a tentar vencer o céu eternamente encoberto da Baróvia. Levantou-se tentando manter a maior discrição possível e checou os arredores. Tudo parecia tranquilo; era uma boa hora para buscar o café da manhã.
Pegou apenas seu escudo, seu mangual, um alforje e saiu do domo, se espreguiçando com mais ênfase após se distanciar um pouco.
Yoru dormia um tanto encolhido em seu saco de dormir — não que tenha conseguido descansar muito também. Sua mente humana havia despertado há quase uma semana, e as noites eram tão agitadas quanto os dias. Ainda achava desconfortável dormir na forma humanoide, mas ao mesmo tempo sentia que não fazia sentido dormir como uma raposa. Na verdade, mal pensava na possibilidade de fazê-lo.
Suas orelhas vulpinas se mexeram na direção do meio-orc quando ele começou a se movimentar, despertando o rapaz. Espreguiçou-se de bruços, tal qual um gato — ou uma raposa — e abriu os olhos vagarosamente, mexendo a ponta do nariz inconsciente pelo aroma de orvalho.
Bocejou se sentando e percebeu Ukkor se alongando fora do domo, um meio sorriso apareceu em seus lábios. Levantou-se tão devagar quanto pode e arrumou seu saco de dormir sem acordar as mulheres. Suas costas doíam um pouco, tanto pela noite mal dormida quanto pelos ferimentos da luta no dia anterior; Apesar de se sentir relativamente bem no momento, ainda estava um tanto dolorido.
Andou até o mais alto enquanto murmurava ao se espreguiçar e bocejar. A cauda fora da calça traçava movimentos morosos de um lado para o outro, apontando para baixo.
— …m dia. — Foi o máximo que conseguiu dizer após um longo e ruidoso bocejo.
— Desculpe, não tive intenção de te acordar — o maior disse se virando, sem conseguir esconder um pequeno sorriso. — Só estou indo buscar algo para comer.
Deu uma olhada no mais novo dos pés a cabeça. Ele parecia bem, apesar da luta do dia anterior.
— Está tudo certo? A briga ontem foi feia, não precisa descansar mais?
Yoru retribuía o sorriso enquanto ajeitava sua mochila e checava a espada de prata em sua bainha. Arrumou sua besta no coldre preso às costas e voltou a olhar o maior. Ele não parecia querer voltar a dormir.
— Não se desculpe, já estava na hora de acordar mesmo, acho. Sonhos humanos são esquisitos, prefiro estar acordado. E não se preocupe, estou bem. Não foi nada demais, só ganhei uma nova cicatriz, provavelmente — disse dando de ombros — Fiquei mais preocupado contigo e com Ivy do que comigo, quase não fui acertado; em compensação vocês…
Diminuiu a distância entre eles até ficarem lado-a-lado, olhando um pouco para cima para poder fitar seu rosto. Yoru sabia que era alto, mas se sentia baixo do lado de Ukkor; até mesmo um tanto quanto frágil, dada a diferença dos portes físicos. As orelhas mexeram de forma inconsciente e sutil, ficando na vertical.
— Eu vou com você, gosto quando caçamos juntos.
“Ou quando fazemos qualquer coisa juntos”, Yoru pensou, surpreendendo o próprio vulpino que preferiu não falar nada sobre isso.
O maior concordou com a cabeça e começaram a caminhar para a mata. Não podia negar que a companhia de Yoru era muito bem-vinda. E sua recém obtida tagarelice também.
Andaram um pouco em silêncio, atentos aos arredores. Ukkor não conseguia evitar olhar para as orelhas de Yoru em pequenos intervalos. Havia ficado mal acostumado em caçar com o vulpino. Não era preciso ouvir bem se as orelhas dele apontavam na direção dos sons.
Yoru tentava se manter o mais atento possível às movimentações. Mantinha uma mão sobre o cabo da espada, pronto para empunhá-la; ou se transformar em uma raposa caso aparecesse alguma caça ou ameaça. Porém, precisava confessar, ao menos para si mesmo, não estava tão concentrado quanto geralmente ficava. Sua atenção estava dividida entre os arredores e o mais velho ao seu lado que começou a dizer:
— Sobre você ganhar uma nova cicatriz, eu não gosto disso. Não quero que vocês se machuquem — “Especialmente você”, pensou. Mas resolveu guardar essa informação por enquanto. — Eu entendo que você também não quer que acabemos nos ferindo, mas você tem que pensar em cuidar de si nesses momentos também.
— Eu sei, eu sei — respondia com um tom falsamente cansado, abanando a mão como se dissesse que não precisavam falar sobre aquilo. Apesar do tom brincalhão, as próximas palavras eram sérias. — Mas eu nem corri perigo e, bom, se eu não ganhar as cicatrizes, e você ganhar, pra mim não faz diferença. Também não gosto. Você ganhou uma, eu ganhei uma, estamos quites, acho.
O vulpino dava de ombros, parando de caminhar por um momento e focando um pouco mais nos arredores, atento. Quando ele parou, Ukkor olhou por cima do ombro para vê-lo. A pouca luz deixava os traços finos do rosto dele ainda mais belos. O mais novo voltou a andar pouco depois.
— Mas e você, conseguiu descansar um pouco? — Yoru voltava a falar enquanto se aproximava mais uma vez. — Digo, sei que você geralmente dorme encostado, e não tinha exatamente onde se apoiar.
— Sim descansei, mas eu odeio dormir deitado — suspirou de leve antes de constatar. — Eu não me sinto seguro.
Calou-se e parou de andar, esperando Yoru chegar até ele. Quando o vulpino diminuiu a distância entre os dois, virou-se para encará-lo de frente.
— O problema pra mim nunca foi se ferir. Ferimentos são algo que eu sempre ganhei, em toda minha vida. Você correr riscos é que é problemático. Isso coloca em perigo a única coisa que tem importado pra mim nos últimos tempos.
A última frase tinha saído sem pensar. Yoru piscou algumas vezes, tentando limpar o nublado de sua mente. Logo, um sorriso singelo, quase ingênuo, nasceu em seus lábios. A proximidade entre eles fazia seu corpo estagnar. Suas pupilas dilatavam, a respiração pesava, os dedos formigavam, as pernas tremiam, as orelhas — retas e paralelas — atentas a todas as palavras. Até sua fala saiu um pouco atrapalhada.
— Engraçado, poderia dizer o mesmo. Nunca me importei com ferimentos, mas você se machucar, ou entrar em perigo, me deixa angustiado. Você também é o único que me importa desde, bom, sempre.
Soltou um riso contido e envergonhado, mesmo sem saber ao certo o que sentia. As orelhas voltaram a relaxar um pouco, apesar de ainda se manterem diligentes aos perigos ao redor. Apertou o cabo da espada involuntariamente, transparecendo seu nervosismo.
A proximidade o deixava observar o outro. A pele acinzentada era tão convidativa ao toque. A derme maculada parecia necessitar ser dedilhada, descobrir todas as marcas cicatrizadas. Engoliu em seco. Sentia novamente aquele calor na caixa torácica.
— Está tudo bem, relaxe — Ukkor disse apontando os nós dos dedos do vulpino, que ficavam brancos contra o cabo da espada.
Assim que o maior sinalizou sobre o aperto na espada, Yoru soltou a arma como se tivesse levado um choque, desviando o olhar automaticamente. Seu rosto enrubesceu. Baróvia era um lugar horrível para sentir o que o meio-orc sentia. E, pelo que ele vinha notando, que Yoru sentia também. Ukkor sorriu para o mais novo antes de seguir dizendo:
— Miku, eu posso te… — Yoru voltou a fita-lo, mas isso fez Ukkor engolir as palavras que havia pensado contra a vontade. — Eu posso te assegurar que ficarei bem. Você lutou muito bem lá. E eu não fazia ideia de que você cuspia fogo, foi bem surpreendente na realidade.
Os olhos do vulpino brilhavam com uma expectativa que nem mesmo ele sabia sobre o quê era. Sentia que não era aquilo que Ukkor iria dizer, mas decidiu deixar de lado. Afinal, poderia só ter se enganado. O maior se virou — ainda contrariado — gesticulando para que a dupla voltasse a caminhar na mata. Na realidade, gostaria que momentos como esse fossem mais presentes na rotina caótica que suas vidas haviam se tornado.
— Bom, sendo bem sincero, meio que nem eu sabia.
Yoru piscava os olhos várias vezes, recuperando a compostura e olhando ao redor. Queria parecer vigilante, mas só estava tentando colocar a cabeça de volta no lugar.
— Eu sinto que sei, apenas. O fogo, o espírito de raposa que te curou daquela vez e fez o mesmo com Ivy ontem, e mais umas coisas que não sei muito bem o que é. Meio que uma forma de deixar a caça, ou inimigo, mais visível? Não sei dizer exatamente. Mas é engraçado sentir o calor passando desde a pontinha da minha cauda e então, boom!
O meio-orc não pode evitar de olhar a cauda do vulpino quando ele comentou sobre as chamas, rindo da forma como ele expressava a explosão de destas. Yoru deu uma risadinha ao fim, seguindo com um sorriso enquanto voltava a caminhar por onde Ukkor havia indicado.
Eram momentos como esse que o vulpino procurava. Sentia-se seguro ali, mesmo que estivessem embrenhados nas florestas barovianas. Antes, achava seguro por acreditar que era um animal, e aquele era seu habitat. Agora, ele ainda não sabia, mas não era o local que importava, mas, sim, a companhia.
— Como está se sentindo nos últimos dias? — Ukkor rompeu o silêncio mais uma vez. — Quer dizer, você disse que vê as coisas de jeitos muito diferentes agora.
Sabia que deveria manter-se quieto para achar algo decente pro café, mas queria mais ainda que Yoru continuasse falando. A voz dele tinha se tornado o mantra que usava para se manter calmo. Após um breve momento, o vulpino voltou a falar.
— Bem, eu acho? Não sei dizer… É tudo muito esquisito. Ontem eu senti algo muito forte, algo como… transtornado? Contrariado? Enfim, quando eu vi você e Ivy se machucando. Eu também não sei como, mas eu coloquei fogo na espada — novamente tocou o cabo da arma inconscientemente. — Eu só conseguia ver que você estava ferido, e que isso não deveria acontecer.
— Esse sentimento que você teve lá na ponte eu conheço bem. Um deles é a preocupação, afinal, duas pessoas que você gosta estavam em perigo. O outro é raiva — completou fazendo um muxoxo.
Yoru suspirou pesado. O semblante, que raramente era expressivo, denotava um misto de preocupação, confusão e angústia. Não só pela lembrança do ocorrido, mas também por não entender o que sentia. Ukkor conseguia ver a aflição do menor. Os suspiros, a mão que se movia inconscientemente, o sorriso triste. Vê-lo sorrir sem alegria doía mais do que as mordidas dos lobisomens.
— Além disso, dormir não é algo que gosto — o vulpino começou com os olhos baixos. — Os sonhos são confusos demais. Além de que, como minha m — , uma das megeras me visitou em minha inconsciência, não é como se eu me sentisse seguro ou bem em relação a dormir — abriu um sorriso entristecido.
— Eu não gosto de pensar no que as megeras fizeram com você. Isso me deixa irritado. Muito irritado.
— Acho que a única parte boa de sentir tudo isso são os momentos com você. Tem momentos que é como se eu sentisse o coração batendo, ou meu peito aquecer novamente. Uma lembrança de quando ele esteve aqui. Geralmente só me sinto esquisito, como se estivesse morto por não conseguir sentir os meus próprios batimentos… mas quando a gente tá junto, é bom.
Ukkor precisou escolher as palavras antes de responder. Hábito que havia se tornado rotineiro quando conversava a sós com Yoru.
— Isso é afeto. O que antes era instintivo, agora é racional. Você não precisa estar aqui comigo, você quer. E esse sentimento é o que transforma a Baróvia em um lugar bom de se estar às vezes. Mas só às vezes. — Concluiu dando uma risada contida.
As orelhas se moviam atentas às respostas do mais velho, afinal era o que queria compreender. Se entender. Apesar disso, não o olhava. Não sabia o porquê, mas não conseguia olhá-lo. Por mais que seu corpo quisesse fazer isso, algo dentro de si o impedia. Novamente culpa da falta de conhecimento sobre si próprio.
— Eu não consigo entender o porquê de acharem aqui ruim. Ou aquele cara que Vanya se ajoelhou. Ou porquê do ato dela ter sido ruim. Pra mim aqui é um lugar como qualquer outro; Pessoas podem ser boas, podem ser ruins, mas não acho que mude de um lugar pro outro. Digo, nunca saí daqui, acho, mas não acredito que mude muito — falava com simplicidade. — Então, na verdade, pra mim sempre é um lugar bom pra se estar, já que estou sempre com você. Até mesmo antes, sozinho na mata, apesar de antes não… pensar? Literalmente como penso agora, não via como um lugar ruim. Só animais lutando por sobrevivência. E seres humanoides também são animais. Qual a diferença, então?
Falava mais para si do que para Ukkor, devaneando. Acabaram chegando a uma clareira, o que fez o vulpino parar um pouco confuso, olhando o caminho percorrido. Soltou um suspiro alto, voltando a olhar o meio-orc ao seu lado.
— Acho que andamos demais…
Ukkor riu.
— Nós temos distraído muito um ao outro, isso é bom, mas também é um problema.
Indicou um arbusto próximo a clareira, onde algumas pequenas frutas poderiam servir para o café. Yoru ajoelhou-se ao lado da planta para ajudar a colher enquanto ouvia o mais velho que começava a tentar explicar:
— Gente ruim tem no mundo todo, com certeza. Mas a Baróvia é diferente. As Brumas nos impedem de sair daqui, estamos encarcerados. Pelo que descobrimos, Strahd, aquele cara que Vanya se ajoelhou, manda na Baróvia já tem uns quinhentos anos ou mais.
Segurou o alforje para que o menor depositasse as frutas e continuou dizendo:
— Ele é um vampiro. Não, não. Ele é o vampiro. Faz o que quer, quando quiser e com quem quiser. Essa é a pior parte. Em outros reinos os monarcas podem ser uns fedidos mal encarados que tem poder por ter dinheiro. Strahd pode colocar uma casa no chão com um estalar de dedos. É diferente.
O meio-orc voltou a olhar Yoru antes de terminar.
— E no meio disso tudo tem nós: Um bando de pirados que acha que consegue desbancar um filho da puta que aterroriza esse local a séculos. O que a gente tinha na cabeça? — concluiu com um sorriso um tanto obtuso.
Yoru suspirou, as orelhas abaixando.
— Você se critica demais, Ukkor. Juntos somos mais fortes, não? E não é como se estivéssemos querendo fazer isso aqui e agora. Estamos juntando forças pra isso, pesquisando e, além disso, estamos fazendo outras coisas em paralelo; como salvar a vida de uma garota e uma jovem burguesa. Ou então livrando crianças órfãs de virarem tortas. Digo, você não se sente mais forte depois de tudo isso? Porque eu me sinto, principalmente quando estou com você.
Virou-se para olhar o semblante do meio-orc, dando um leve sorriso para ele. Seus olhos brilhavam como se apreciasse a maior maravilha do universo, uma impecável obra de arte.
A fala de Yoru atingiu Ukkor como uma pedrada. Não podia negar que se sentia mais forte. A magia que vertia de si também estava mais forte, mas cada vez mais selvagem e caótica. “Você se critica demais”.
Haviam salvado Arabelle, era verdade. Haviam ajudado Irina e a treinado para se defender melhor. Yoru salvou as crianças do moinho, e teve que deixar algo seu para trás. Mas se dependesse de Ukkor, Vanya e Ivy, não haveria mais aquelas crianças. “Você se critica demais”.
Ukkor sustentou o olhar brilhante do vulpino e o sorriso frágil até ele se levantar. Yoru vasculhou a área e encontrou mais arbustos do outro lado da clareira, para onde se dirigiu com uma corrida tranquila. Sua cauda balançava suavemente de um lado para o outro. Chegando no local, voltou a se ajoelhar e colher.
Os olhos do mais velho ficaram admirando-o correr e vasculhar outro arbusto enquanto permanecia atento. Havia beleza em tudo que ele fazia — e era tudo que o meio-orc desejava. Mas Yoru merecia mais. “Você se critica demais”.
Aquela fala continuava a ressoar em sua cabeça. Tinha que parar de pensar nos “mas”. Sempre havia um. Andou devagar até onde o amigo estava, parando ao seu lado com o alforge entreaberto para que ele depositasse as frutas em seu interior.
— É verdade, juntos somos mais fortes. E eu não desejaria outra companhia para enfrentar tudo isso. — “Chega de se criticar. Permita-se”, pensava. — Eu só preciso de você, Miku.
Yoru se virou para o homem que se aproximava. As palavras pesavam em seu tórax, o fazendo suspirar. Era gostoso ouvir isso. Sustentou o olhar dele enquanto colocava as frutinhas no alforje. Desviou o rosto quando percebeu que algumas tinham caído no chão e abriu um leve sorriso bobo. Soltou uma risada nasalada enquanto pegava os frutos de volta e depositava no lugar correto.
— Eu também só preciso de você, Ukkor. Mais do que eu consigo compreender.
Sentia o próprio rosto esquentar um pouco, suas bochechas ficando rosadas. Deu outra risada boba e baixa, voltando a atenção ao arbusto. Respirava um pouco pesado, como se seu coração batesse mais rápido. Como se ele ainda estivesse ali, em sua caixa torácica.
Ukkor puxou as amarras da bolsa. Já tinham demorado demais e haviam pego o bastante para o desjejum. Pôde notar o rubor do vulpino quando ele se virou para o arbusto mais uma vez.
— Assim já está bom, é o que tem pra hoje. Acho que algo mais leve pro clima que vai ficar pesado por lá seja mais adequado.
Yoru pegava uma ou outra fruta, cheirando para ver se não eram venenosas ou se estavam estragadas. Quando o mais velho comentou sobre a quantidade, se levantou ainda mastigando uma ou outra. O maior esperou até que ele ficasse de pé novamente antes de falar. Era hora de dar um passo, mesmo que fosse pequeno.
Era hora de deixar o primeiro “mas” de lado.
— Miku, eu posso te dar um abraço?
O vulpino piscou algumas vezes quando ouviu o pedido, raciocinando ele. Já haviam se abraçado antes, até mesmo sem pedidos. Terminou de engolir o fruto e deu um sorriso acanhado. Chegou perto dele e passou os braços ao redor de sua cintura, apertando-o um pouco enquanto afundava o rosto em seu peito, respirando fundo e sentindo o cheiro dele.
Suas orelhas relaxaram, fechou os olhos e novamente um sorriso bobo pintou seus lábios. Passou os dedos finos lentamente pelos músculos das costas do maior, como se procurasse decorar as linhas de seu corpo com aquele carinho.
Ukkor envolveu os ombros de Miku num abraço apertado. Mal percebeu que prendeu a respiração enquanto sentia seus corpos se tocarem. Levou a mão até as madeixas do menor, afagando-o com cuidado e, só então, suspirou.
Afastando-se o suficiente para poder olhar o meio-orc, Yoru ofereceu uma das frutas ao homem em sua frente, parando com uma delas entre os dedos à frente de sua boca. Olhava-o com admiração, com o sorriso bobo ainda estampado no rosto. O mais velho aceitou a oferta com os lábios enquanto eles se alargavam em um sorriso. Queria ficar ali. Para sempre.
Yoru se ergueu na ponta dos pés e fechou os olhos ao chegar mais perto, esfregando a ponta dos narizes levemente, ainda com o sorriso presente. Depositou um beijo suave no rosto do maior e voltou a posição de antes. Ukkor pousou a mão no rosto do vulpino, afagando sua bochecha com o polegar enquanto dizia:
— Obrigado, Miku. Eu precisava disso.
Yoru abriu os olhos e suspirou ao ouvi-lo, inclinando a cabeça para sua mão.
— Você é tudo que eu preciso — respondeu com a voz um pouco rouca, colocando sua mão junto a do outro.
Ukkor desviou o olhar para o caminho de onde vieram antes de dizer:
— Vamos indo? As donzelas já devem estar começando a acordar.
— Vamos. Contigo vou onde você quiser.
A dupla se desvencilhou do abraço, mas sem soltar as mãos, entrelaçando os dedos enquanto seguiam para a entrada da clareira e procuravam o caminho de volta. O silêncio era afável e confortável, acompanhado de uma troca de carinhos entre as mãos. A pele macia do vulpino tocando a do meio-orc era a sensação que faltava para o mais velho. O carinho acanhado o aquecia e alegrava. Os dedos entrelaçados eram o nó que faltava e Ukkor jamais suspeitara. Naquela manhã, não haveria mais críticas a si.
Se Yoru merecia mais, então ele mesmo seria mais.