Acidente

Alexis ~ Myo
4 min readAug 16, 2021

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Onze anos antes

Era um dia comum entre eles, uma típica quinta-feira em Itaigara. Valentim e Angra, conhecidos como “os moleques do riacho”, estavam treinando seus movimentos de luta enquanto paralelos a corrente d’água com terreno firme e plano ao redor.

Cada um treinava sozinho, tentando criar aquilo que escolheram e sentiam que tinham uma certa afinidade; Valentim, com seus cabelos curtos, levemente cacheados, bagunçados e azuis naturais, tentava incessantemente fazer qualquer elevação de terra, mesmo que mínima. Usando uma regata surrada verde musgo, um short jeans e sandálias, tentava fazê-lo de pé, sentado ou de joelhos, fazendo movimentos com as mãos enquanto fitava o solo com determinação, ou de fato tocando nele, seu corpo sendo esguio de tanto exercício e de tanto se mexer, o suor escorrendo de tanto esforço.

Enquanto isso, Angra, com seu black power baixo e fogo nos olhos, queria mesmo era criar ele a partir das mãos. Ou do nada. Ele não entendia como funcionava a criação do fogo “do nada”, tinha visto algumas pessoas fazendo isso e sentia um comichão em si que parecia querer produzir o mesmo, porém… Como? Era o que queria descobrir. Com sua camiseta de um verde mais vibrante, bermuda jeans desgastada e pés descalços — as sandálias haviam sido deixadas embaixo de uma árvore próxima — o garoto usava toda sua disposição para tentar criar fogo.

Quem visse de fora, parecia que ambos tinham perdido a cabeça, fazendo movimentos sem sentido que eram bem engraçados para quem não entendia. Cada um perdido em seus próprios pensamentos, porém um orbitando o outro, como sempre era.

Tinham uma ligação invejável. Valentim Barros e Angra Reis se conheceram na primeira infância, naquela cidade e mesmo bairro. Angra tinha acabado de se mudar para Itaigara com seus seis anos e muita timidez. As crianças caçoavam de seu jeito mais introvertido, não parecia alguém fácil de fazer amizade, seja por timidez ou preferir ficar sozinho, talvez?

Porém uma dessas crianças só o via como mais uma possível boa companhia.

Oi! Eu sou Valentim! Quer brincar com a gente de polícia e ladrão? Você parece ser bem rápido!

E com aquele convite numa tarde solitária de Angra nasceu uma amizade tão forte que não se largaram pelos próximos sete anos, se vendo todos os dias, Valentim trazendo alegria a Angra e Angra colocando ao menos um pouco de juízo na cabeça de Valentim.

Com isso, nesta quinta-feira agora cada um com treze anos, eles não precisavam nem mesmo conversar para saberem o que um queria dizer ao outro, somente com um olhar e uma expressão já sabiam exatamente, quase como uma telepatia. Quase.

Porém, como toda dupla masculina de anime, sempre tem uma garota para balancear as coisas entre eles, certo? Certo?!

E então, chegando àquele riacho vinha Bruma, uma garota branca de cabelos ondulados, curtos e loiros quase brancos, olhos castanho claro e traços finos. Os lábios formavam um sorriso doce, porém cheios de entusiasmo. Tinha uma quedinha por Angra desde os oito anos e sempre o observava treinar. Tinha mais amizade com Valentim, não que tenha sido proposital, queria apenas uma forma de se aproximar de sua paixonite, mas acabou de fato se afeiçoando pelo garoto raio de sol, enquanto Angra permanecia mais fechado para qualquer pessoa que não fosse o melhor amigo.

Porém, tinha uma situação que ela não suportava. Quando eles entravam no mundo particular ValAngra, como ela costumava chamar, nada mais importava. E isso a irritava demais.

E nesse dia não parecia ser diferente.

- Oi Valentim! O-oi Angra…! — Sua voz trêmula ao final quase não saiu depois de conseguir chegar perto suficiente de ambos.

Porém nenhum deles ouviu. O mundo poderia acabar naquele momento que somente eles existiam ali. E, como a gota d’água de sua paciência, poucos segundos após a garota os cumprimentar, o de cabelo azulado conseguiu levantar um pouco de terra, fazendo o garoto dar um leve grito de surpresa e então Angra abrir um enorme sorriso, indo até o amigo para um high five.

Porém Bruma não havia ficado feliz com aquela conquista. Não que não comemorasse o êxito de suas amizades, mas odiava ser ignorada, principalmente por seu amor e pelo seu amigo, portanto ao ser excluída daquele momento importante, perdeu a cabeça.

Então, num movimento rápido de frustração, a garota soltou um grunhido desgostoso, deixou sua mão em punhos e bateu com força o pé no chão, fechando os olhos e formando uma expressão de raiva genuína. Com isso, o vento começou a se acelerar e criar uivos, e então numa lufada de ar Angra, que estava indo cumprimentar seu amigo, foi empurrado.

Em cima dele.

Bruma não havia ficado para ver o que tinha ocorrido após seu grunhido, de tão desapontada que estava. Porém, quando o som do vento cessou, outro som estava tão alto quanto. Lá estava Angra, sendo amparado pelo amigo abaixo de si, mas havia um toque diferente ali.

O de lábios.

E as batidas descompassadas de ambos os corações.

E assim, os melhores amigos deram seu primeiro beijo.

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Alexis ~ Myo
Alexis ~ Myo

Written by Alexis ~ Myo

Trans não-binárie tentando escrever um pouco. Geralmente me encontro em @alexismyo.bsky.social (Bluesky) (o/ele/-o | ê/elu/-e)

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